domingo, 31 de outubro de 2010

(Não pensei em um título)

Era sábado. Chegamos do nosso passeio rotineiro, felizes, como duas pessoas recém casados. Eis que, ao abrir a porta, um envelope. Acho que ele não percebeu, mas senti um calafrio ao ver aquele papel azul no chão. Será que era mesmo o que eu estava pensando? Ele pegou a carta. Pedi para que a queimasse, mas não quis, e abandonou a carta na mesa. Até que resolveu ler. Duas palavras e nada mais. Aliás, para mim eram duas palavras amargas, de dor, de medo. Para ele, palavras que lhe causavam desconfiança. A medida que as cartas iam chegando, meu medo aumentando e o laço de amor entre nós, se é que ainda existia, se esfriando.

Depois da morte dos nossos filhos, nossa relação esfriou. Ele me culpa pela morte deles. Prometeu diante dos corpos dos filhos, viver de luto até sua morte, e assim faz. E eu luto, pelo menos tento, pelo nosso amor.

O que aconteceu fora da nossa relação, é algo que quero esquecer. Se soubesse que ia me fazer sofrer, mais do que já estava, não teria procurado amor em outro. E as cartas, cada semana a mais, deixava a casa fria.

Eu fazia de tudo para mostrar serenidade e mansidão. Mas percebia em seus olhares que não era isso que ele via em mim. Pode ser que eu estava me entregando, errando o ponto da toalha várias vezes. O que realmente temia, eram seus olhares de soslaio por trás do jornal. Condenava-me. E eu com medo, errava o ponto.

Uma noite, entrei no quarto e ele estava sentado na cama, olhando fixo algum objeto.

- Está sem sono querido?

- A carta...

- O que tem a carta? Esquece-a. Isso é brincadeira de quem não tem o que fazer!

- Me escondes algo?

- Já te disse, brincadeira boba de quem não tem o que fazer. Anda, vamos dormir.

Queria acabar logo com o assunto. Parecia que tinha borboletas no meu estômago. Era a sensação que eu sentia falando da carta. E novamente tive a sensação, quando vi o que ele tinha comprado. Não precisávamos daquilo. “É para proteger-nos da violência”, alegou ele. Algo me dizia que não era isso.

Tinha uma amizade muito forte com o primo dele. Porém, o primo era apenas intermediador da relação que eu tinha com o outro. Mas ele pensava que era com o primo. Será que seria capaz de fazer alguma coisa contra o próprio primo? Não podia deixar isso acontecer, eu tinha que fazer algo para protegê-lo, o primo não tinha culpa.

Certo dia tricotando, veio a imagem do revólver na minha cabeça. Não, suicídio já era demais para mim. Portanto, eu não aguentava mais aquele vazio mórbido. Precisava agir, e rápido. Antes que Ulysses chegasse da guerra.

Fui para o quarto, coloquei um vestido branco, com cheiro forte de naftalina. Mas era o único branco que tinha. E pra mim, morrer de branco, significaria o início da paz dele, e a minha eternamente. Deitei, pensei mais uma vez. Peguei a arma e puxei o gatilho. Pronto. Agora acaba o sofrimento, o meu, e o dele.

Parece que minha morte, não fez diferença pra ele. O que era nossa rotina, pra ele continua. Sentado, lendo o jornal, naquele silêncio ensurdecedor.

(Autora: Camilla Ribeiro Araújo)

Nenhum comentário: